580km - João Valério
Passados 6 meses sob a tomada da
decisão final em reunião de jantar de natal deste grupo de aventureiros, onde decidimos aceitar o convite do também
elemento do grupo, Pedro Loureiro (agora Presidente do Centro
Português de Sindelfingen), em irmos fazer uma travessia à Floresta Negra, apesar dos últimos 2 meses haverem sido de incertezas (percursos, participantes,
dormidas, etc...), o grupo inicial de 8 interessados ficou reduzido a 5, mas a tal já estamos habituados e tudo
foi ultrapassado. Num repente já estávamos no avião a caminho da Alemanha. O que importa é traçar objetivos e mantermo-nos fixados em cumpri-los.
Iríamos passar os próximos 9 dias na
região de Baden-Württemberg, sul da
Alemanha, considerada a zona rural do país, onde se localiza a mundialmente
famosa floresta negra, que ocupa quase toda esta área do país, para cumprirmos
600km em bicicleta de montanha.
À nossa chegada ao aeroporto de
Estugarda (Alemanha) esperava-nos o nosso anfitrião Pedro, com o atrelado
montado no carro onde iríamos carregar as nossas 3 bicicletas vindas de
Portugal, ainda embaladas nos respetivos sacos de viagem, para fazermos a curta
viagem de 25km entre Estugarda e Maïchingen - Sindelfingen, onde montámos o nosso
"Quartel General" para aí pernoitarmos a nossa 1.ª noite, o que
fizemos após havermos ido ao centro de Sindelfingen jantar e assistir ao jogo
do Mundial da Rússia onde Portugal defrontou o Irão, acabando empatados a 1
golo.
Levantámo-nos às 07h30 e antes de
dar-mos início à nossa 1.ª etapa ainda tínhamos de desembalar e montar as
nossas 3 bicicletas, para depois fazer uma viagem de carro de 42km entre
Sindelfingen e Pforzheim, onde nos juntaríamos (João, Renato e Anacleto) ao
Carlos Navalho (à semelhança do Anacleto também estreante elemento no grupo, a
residir na Alemanha).
Eram quase 11 da manhã quando o
Carlos se juntou a nós, em Pforzheim, estando eu ainda a braços com a montagem
de 1 câmara de ar na roda da frente, cujo pneu havia vazado e não sustinha ar.
Mas depois de algumas contrariedades e atrasos, finalmente arrancámos com a
certeza de que o dia ia ser longo, pois tínhamos pela frente um pouco mais de
80km, valendo-nos a certeza de um percurso com baixa altimetria, bom piso e a
mais-valia do sol se pôr só após as 22h00.
Rapidamente saímos da cidade
utilizando uma das diversas ecopistas asfaltadas (e marcadas), que por ali são
muitas, à semelhança do resto da Alemanha, tal como nos informaram. Existem
muitas placas informativas de direções, mas é conveniente levar o track já
decidido no gps para não ter surpresas nem seguir numa direção errada. Apesar
do percurso ser um pouco monótono devido à ausência de dificuldade, a
envolvência da majestosa floresta negra e as diversas pontes em madeira que nos
permitiam progredir, ora de um lado, ora do outro da margem do rio Nagold,
misturado com a oportunidade em nos ir-mos conhecendo melhor uns aos outros,
uma vez que neste grupo de 4 metade eram elementos estreantes no grupo, deram
um brilho especial a esta etapa. Com bastante frequência cruzámo-nos com
localidades.
O tempo apresentou-se solarengo com
uma temperatura a rondar os 25 graus centígrados ao longo de todo o dia. O
percurso da 1.ª etapa foi maioritariamente junto ao já referido Rio Nagold, que
nos fez companhia até ao km55, em cuja cidade com o mesmo nome deste rio
aproveitámos para almoçar, tendo nós optado por um restaurante turco (existem
muitos na Alemanha), onde comemos umas pratadas de kebab a um preço bem
simpático.
Com os estômagos compostos e sem
sinais de dificuldades físicas ou técnicas, rapidamente cumprimos os restantes
30km. O piso foi maioritariamente cimentado/asfalto, com algumas zonas de terra
batida e poucas zonas de verdadeiro btt. Relativamente a abastecimentos de água,
fontes é coisa que não se encontra com facilidade por estas bandas, o que
confirmámos ao longo de toda a nossa aventura, por isso havia que atestar o
cantil sempre que possível, mas prestando bastante atenção à água de compra,
pois na Alemanha têm muito o hábito de beber água com gás, existindo à venda de
1,5L confundindo-se as garrafas.
A parte exigente situou-se nos 15km
finais, em que tivemos de ultrapassar caminhos de floresta, sempre em asfalto,
com duas subidas um pouco inclinadas. Apesar do gps informar uma altimetria
total de 1.425D+, na realidade pareceu que a informação estava errada, pois não
notámos isso, talvez pelo facto de irmos sempre gradualmente subindo desde o
início.
Eram sensivelmente 18h00 quando
chegámos ao final da etapa, localizada em Dornstetten. A extensão total
realizada foi a prevista. Hoje, o nosso anfitrião seria o Carlos Navalho -
elemento integrante do grupo que tem o privilégio de residir todo o ano em pleno
"coração" da floresta negra. O menu foi massa, após o que se seguiu
uma longa e prazenteira caminhada pela pequena cidade, para desentorpecer as
pernas, tendo como guia o nosso anfitrião.
O relógio voltou a tocar às 07h30,
tal como no dia anterior. O Renato e o Anacleto continuavam deitados sobre os
colchões que nos serviram de cama. O tempo mantinha-se solarengo e fresco. Após
o pequeno-almoço, oferecido pelo Carlos em sua casa, metemos-mos ao caminho.
Logo aos primeiros quilómetros tivemos umas incursões por desafiadores caminhos
de terra dentro da floresta. Até o Carlos, conhecedor da zona, ficou surpreendido
com esta ligação do meu track.
Esta etapa foi um pouco diferente da
anterior. Apesar do piso continuar a ser maioritariamente asfaltado, as
paisagens que nos rodeavam eram de extensos campos agrícolas e havia muitas
árvores de frutos a pender para o caminho, em especial cerejeiras de diversas
qualidades... e acho que provei de todas.
Surpreendentemente e com alguma
frequência, fomos encontrando carrinhos ou bancadas de madeira com frutas e
legumes à venda, mas sem os respetivos vendedores por perto, em vez disso,
caixinhas para os compradores depositarem os valores correspondentes às
quantidades que pretendiam levar e de acordo com os preços tabelados, o que,
segundo apurámos, é hábito ser cumprido pelos compradores.
Pela primeira vez tivemos de fazer
uma pequena alteração ao track previsto, uma vez que devido a obras, o trilho
inicialmente antevisto estava cortado, nada que não resolvêssemos com eficácia
e rapidez num pequeno desvio de 100mt.
A
paragem para almoço foi em Rotweill, ao km67, numa pizzaria gerida por turcos e
cujos preços eram bastante aceitáveis. O calor já apertava um pouco e soube bem
aquela paragem onde me esforcei para comer a cuvete de pasta e a salada, bem regadas, pois claro!
Após o almoço fomos sempre a
apreciar uma altíssima torre avistada ao longe, que nunca conseguimos perceber
onde era, mas que nos ia guiando. Antes de terminarmos passámos junto de um
aeródromo e voltámos a pedalar junto do leito de uma linha de água, o Rio
Neckar.
O final da etapa foi no PKW Parkplatz Solemar, um parque de campismo dedicado
exclusivamente a caravanas e autocaravanas, onde se nos juntaram o Pedro Loureiro
e o João Ferreira com a autocaravana, que a partir dali nos iriam dar apoio
logístico. Tivemos aqui um duplo azar.
1º
- Este parque não possui balneários nem casas de banho próprias, porém a
escassas centenas de metros localiza-se um complexo de piscinas (pagamento de
12,50€/3 horas) que tem um acordo com o parque (2,50€/banho).
2º
- Infelizmente, a Alemanha estava a jogar o jogo decisivo no Mundial da Rússia
e, o pequeno Secretariado do parque encerrou, deixando-nos entregues à nossa
sorte. O resultado foi que tivemos de tomar banho de água gelada diretamente do
abastecimento para autocaravanas (o que é proibido ali e muitos nos olhavam com
olhos de desaprovação).
Para
o jantar, o João Ferreira cozinhou uma carne no tacho que todos consideraram
estar deliciosa. O cozinheiro ficou de imediato aprovado!
Levantámos-mos cedo, como
habitualmente e após despedirmo-nos do pessoal de apoio da autocaravana,
fizemos-mos ao caminho. Mais uma manhã fresca e com o sol a brilhar eram um bom
presságio para um ótimo dia de btt. Novamente nos vimos a pedalar por entre
extensos campos agrícolas em estreitas estradas asfaltadas, o que nos permitiu
manter uma boa média horária.
Após pedalarmos os primeiros 10km do
dia chegámos à cidade de Donaueschingen, onde se encontra oficialmente
localizada a nascente do Rio Danúbio – o 2.º maior rio da Europa em extensão
com 2.860km, onde aproveitámos para nos demorarmos um pouco a apreciar o local.
A saída da cidade levou-nos a passar pelo interior do enorme e lindíssimo
parque local.
O caminho continuou como até então,
cruzando pequenas localidades, ora em estradas asfaltadas, ora por caminhos
rurais em terra batida, muitas vezes dentro de floresta e outras campos
semeados. Ao km42, já com o ratinho na barriga, aproveitámos a entrada na
pequena cidade de Tengen para procurar onde almoçar, mas não foi fácil, porque
os poucos restaurantes ali existentes estavam fechados, o que nos levou a
fazermos uns quilómetros e a sairmos alguns quilómetros do track (alteração já
feita ao percurso desta etapa aqui publicado), tendo a solução sido a ida a um
supermercado onde comprámos as nossas refeições. A presença no grupo de um
elemento que fala fluentemente alemão foi sem dúvidas uma mais-valia, não só
nesta situação como em muitas outras que se seguiram.
Enquanto íamos almoçando o tempo
foi-se alterando radicalmente. O céu estava a ficar cada vez mais escuro e
adivinhava-se chuva para breve, pois as nuvens negras encontravam-se na direção
para onde pretendíamos seguir. Antes de nos voltarmos a fazer ao caminho,
aproveitámos para mudar as baterias dos gps’s e da GoPro e apressámos-mos para
ver se nos safávamos à chuva, o que conseguimos, pois apenas apanhámos uns
pinguinhos nos últimos 5km da etapa.
Ao aproximarmo-nos de Riedheim e a
apenas 35km da nossa meta diária e margens do Lago Contança, tivemos a
oportunidade de vermos, ao longe, a imponente imagem das ruínas do Castelo de Hohentwiel,
o qual foi construído em 914dc na cratera aberta pelo vulcão extinto, com o
mesmo nome. Vimo-lo mas, infelizmente, não o visitámos, uma vez que o track não
estava previsto para a nossa passagem por lá, cujo acesso é bem complicado e
fisicamente duro e demorado.
Chegámos
finalmente a outro grande objetivo da nossa aventura, refiro-me ao Lago de Constança (ou Bodensee, em alemão). Este enorme lago, que é o 3.º maior da Europa
Central, é alimentado pelo Rio Reno, que o atravessa, banha 3 países (Alemanha,
Áustria e Suiça), possui uma área de 536m2 e aproximadamente 63km de extensão,
estando localizado entre a Floresta Negra e os Alpes.
Ao
chegarmos ao Campingplatz Himmelreich, um dos diversos ali existentes, já
os nossos colegas da autocaravana a tinham estacionado e nos esperavam para
começarmos a grelhar o jantar, à boa moda campista. Este parque de campismo
pareceu-me estar vocacionado para autocaravanas. Tem excelentes condições e
bons serviços, entre eles máquinas para lavar e secar roupa, supermercado,
restaurante e bar, balneários, além de estar localizado mesmo nas margens do
lago, onde podemos entrar diretamente para um mergulho.
Depois
de jantar e aproveitando os 2 bilhetes de comboio/por campista que este parque
de campismo disponibiliza aos utentes, fomos passear até à cidade de Konstanz,
localizada a uns meros 10km dali, porém tivemos de andar bastante a pé até à
estação (ida e volta), mas a noite não estava para passeios porque além de por
vezes chover, também a temperatura havia baixado.
O dia amanheceu cinzento, novamente
sob a ameaça de chuva, por isso saímos já equipados a rigor. Logo à saída do parque
de campismo passa a ciclovia asfaltada. Nesta etapa o grupo aumentou para 5
elementos, pois o Pedro Loureiro trazia a sua Cannondale F29 na autocaravana e
decidira juntar-se a nós, delegando ao “cozinheiro” João Ferreira a função
acrescida de motorista.
Tal
como projetado, esta etapa da nossa aventura dava continuidade a prosseguirmos
junto às margens do Bodensee, o que
se iria manter até meio da 6.ª etapa, altura em que retornaríamos ao interior
da Floresta Negra. Passados 10km chegámos à enorme cidade de Konstanz, onde a
ciclovia nos fez entrar numa ponte sobre o Rio Reno, de passagem exclusiva a
peões e bicicletas. O movimento era enorme, especialmente o de bicicletas, havendo
de todos os tipos, modelos e estilos, tanto a circular como estacionadas em
enormes parques exclusivos a este tipo de veículos.
Sensivelmente ao km12,5 quase
despercebidamente e sempre a pedalar, cruzámos a fronteira para a Suíça onde,
não fosse a presença de alguns polícias, não tínhamos notado que saíamos de um
país e entrávamos noutro. Ninguém nos mandou parar, nem para verificar
identificações, revistar ou questionar sobre o nosso destino, seguimos
livremente e só parámos mesmo para congelar o momento com algumas fotos e
filmagens do local.
Os nossos smartphones começaram
quase em uníssono a emitir sinais sonoros, a avisar/informar dos preços
cobrados em serviços de comunicações móveis e roaming. De salientar que a Suíça
não é parte integrante da Comunidade Europeia, pelo que a moeda local é o
Franco Suíço. Bandeiras suíças aqui e ali iam-nos lembrando que estávamos
noutro país que não a Alemanha.
A minha intenção em desenhar um
track sempre o mais próximo do lago, levou a que nos aproximássemos e
afastássemos regularmente das margens, apesar de nunca exceder mais de 200/300m
desde a água. Isto também resultou que, de vez em quando, percorrêssemos
algumas dezenas de metros em terra batida e tovenã.
Os trilhos e vias existentes junto
ao Lago Constança estão todos eles marcados, sendo que é preciso ter atenção
porque alguns deles proíbem a circulação a bicicletas e, todos eles, proíbem a
circulação a veículos motorizados, sendo que a sua largura média ronda os 2m. Nestes
trilhos constantemente nos cruzamos com extensos grupos de ciclistas, pessoas a
fazer jogging outras a andar de skate.
Além das margens do Bodensee, também a linha do comboio ali
existente acompanhou o nosso track, o que deu um brilho ainda mais especial a
esta etapa já por si só bela, com passagens idílicas junto de vinhas, marinas
(portos de recreio), casas e quintas de sonho, e localidades pitorescas que nos
foram obrigando a constantes paragens para apreciar, fotografar e filmar.
Na cidade de Romanshorn aproveitámos
para comprar uns ímanes e outros recuerdos
da Suíça, onde para pagarmos em Euros só utilizando cartão de crédito porque,
caso pagássemos em dinheiro, o que também era possível, os comerciantes
cobravam em Euros os preços tabelados em Francos Suíços, ou seja, sendo o Euro
uma moeda mais valiosa, ficaríamos a perder dinheiro (1€ = 1,14CHF).
Com alguma frequência fomos vendo
bandeiras e/ou símbolos portugueses, fossem em casas ou carros. Também é
verdade que ouvimos pessoas a falar a língua de Camões. O céu permaneceu
cinzento e havia uma brisa leve e fresca, mas o certo é que acabou por não
chover, tendo ao final da manhã o sol começado a brilhar, levando-nos a guardar
as capas de chuva. No céu fomos vendo com alguma frequência enormes dirigíveis
(ou Zeppelin’s), que fazem passeios turísticos sobre todo o lago.
Ao km63 desta nossa 4.ª etapa
voltámos a cruzar fronteiras. Desta feita saímos da Suíça, onde percorremos
51km, para entrar na Áustria, o que aconteceu após passarmos uma ponte sobre o
antigo leito do Rio Reno, agora designado por Alter Rhein (em alemão, Antigo Reno), desviado por mão humana nos
finais do século XIX. Íamos num ritmo tão rápido que tivemos de abrandar para
almoçar, o que fizemos ao km53 num dos vários restaurantes da marina de Rorschach.
Após o almoço cruzámos e pedalámos
junto a canais, em pisos bastante diversificados, chegando mesmo a ter de andar
com as bicicletas à mão numa surpreendente passagem pelo interior de um bosque
bastante fechado de vegetação, por ocasiões com rochedos e árvores a bloquear o
trilho, em por vezes nem era visível valendo-nos o track do gps.
O percurso passou por inúmeros
jardins e quase sempre junto às margens do lago, sempre com muito movimento de
pessoas, percebendo-se que o Bodensee
é uma enorme atração não só para os habitantes locais, mas também para aqueles
que residem a algumas centenas de quilómetros e vêm passar férias ou somente o
fim de semana. Foi assim, num repente, que chegámos ao Park Camping am See, situado imediatamente após a fronteira Áustria/Alemanha,
estando nós de volta ao país de onde havíamos saído no início desta etapa.
O João Ferreira havia conseguido, a
muito custo, um espaço para a nossa autocaravana, por isso após organizarmos as
nossas coisas aproveitámos para, pela primeira vez desde que seguíamos junto ao
lago, mergulhar e dar umas braçadas nas suas águas límpidas e refrescantes,
aproveitando o solarengo final de dia.
30 de Junho de 2018 - Etapa #5: Hunterhochsteg/Staad (58,62km (4,4km navio + 54,2km bicicleta) c/ 390m D+)
Mais um bonito dia com um sol radioso
e paisagens inesquecíveis. O Pedro voltou a integrar o grupo em mais uma etapa.
Com apenas 4km percorridos chegámos à lindíssima e antiga cidade de Lindau,
cuja maior extensão se localiza numa pequena ilha sobre comprida, afastada
apenas 150m de terra firme e unida por 2 pontes, tendo nós utilizado ambas,
sendo que uma é aberta a todo o tipo de veículos e outra apenas
ferroviária/peões/velocípedes.
Após uma demorada estada na ilha,
principalmente porque há zonas pedonais onde é obrigatório desmontar,
regressámos a terra para continuarmos a ciclovia junto do lago, onde
encontrámos diversos miradouros e muitas casinhas assentes sobre estacas de
madeira sobre a água.
Numa paragem mais demorada nos
jardins de Wasserburg e uma vez que neste dia a seleção de futebol portuguesa
iria jogar o derradeiro jogo da fase de grupos e contra Marrocos, decidimos
encurtar esta etapa, que era suposto ter cerca de 80km e terminar em
Überlingen, optando por apanhar a ligação de barco um pouco antes, em Meersburg,
fazendo a ligação para Staad e aí ficar no parque de campismo para depois
podermos ir assistir ao jogo a Konstanz.
Continuámos a pedalar mas desta vez
cometemos diversas infrações, pois fizemos algumas passagens por zonas
exclusivas a peões, por sorte ninguém nos abordou, mas os peões olhavam-nos com
desapreço. Por outro lado tivemos de cruzar diversas cancelas e outros tipos de
infraestruturas metálicas que nos deram algum trabalho a ultrapassar, não só
físico como também mental (fazer contas de cabeça para perceber como iria a
bicicleta lá passar). No entanto foi uma passagem interessante, pois conhecemos
locais bastante bonitos que de outra forma não teríamos visto.
Uma vez que a etapa seria bastante
curta face às restantes, com pouco mais de 50km, colocámos um ritmo mais lento
para melhor apreciar as paisagens e fizemos um almoço mais demorado junto a uma
bonita doca privada com escola de vela. Rapidamente chegámos a Meersburg, onde
apanhámos o barco para Staad, cruzando em toda a largura o grande lago, numa
travessia semelhante à de Setúbal para Tróia. Após sairmos do navio,
percorremos escassas centenas de metros até entrarmos no parque de campismo DKV Campingplatz, onde a autocaravana já nos
esperava.
Terminámos a etapa tão cedo que
ainda tivemos oportunidade de ir banhos ao lago, ali a escassos metros, antes
de prepararmos o jantar, após o qual percorremos algumas centenas de metros
para apanharmos um autocarro até Konstanz, onde fomos ver Portugal ser
derrotado e impedido de seguir para os oitavos de final perante o gáudio da
imensa plateia de alemães.
01 de Julho de 2018 - Etapa #6: Staad/Gammertingen (155,91km (46km comboio + 110km bicicleta) c/ 1,833m D+)
Após uma rápida reunião durante o pequeno-almoço,
concluímos que teríamos de seguir de bicicleta até Konstanz, onde deveríamos
apanhar um comboio dali até Radolfzell e depois outro para fazer a ligação até
Überlingen, cidade onde estava inicialmente previsto havermos terminado a etapa
anterior e que se situa na outra margem do lago. Seguimos este plano e, com a
importantíssima ajuda do Carlos nas máquinas bilheteiras, lá conseguimos ter
sucesso na aquisição dos bilhetes e ligações certas, pois teríamos de regressar
à outra margem e fazê-lo por via férrea em redor do lago, desta vez pela zona
norte.
Voltando um pouco atrás… os
primeiros quilómetros de bicicleta entre Staad e Konstanz foram algo
atribulados, pois não tínhamos o track e tivemos de nos orientar pelo mapa que
aparecia no gps. O Pedro já não nos acompanhou de bicicleta nesta etapa e
substituiu definitivamente o João Ferreira que, por razões profissionais,
regressou a casa (numa cidade próxima). Esta penúltima aumentou
exponencialmente para lá dos 2 dígitos, face às alterações de última hora ao
plano inicialmente traçado, mas a briga com o gps manteve-se algumas horas!…
Também devido às recentes alterações
dos tracks, ao invés de sairmos logo na estação de Ludwigshafen, onde
poderíamos dali a escassos quilómetros retomar o track planeado e carregado nos
gps’s, saímos na estação de Überlingen. Para ajudar à festa, ao sairmos desta
última estação e como eu era o único que tinha o track original carregado, o
qual passava ali mesmo, baralhei-me com as direções e fiz-nos seguir 10km em
sentido contrário ao do track, chegando quase e de novo até Meersburg. Sem
stresses de nenhum dos elementos do grupo e com a maior calma e convicção de
que teríamos de chegar à meta planeada para esta etapa, voltámos para trás como
se nada se nenhum erro tivesse ocorrido, até porque as paisagens eram
igualmente lindíssimas, se comparadas com os dias anteriores.
Volvidos 28km a pedalar estávamos de
regresso e novamente de passagem por Ludwigshafen, onde nos despedimos pela
derradeira vez do lago junto ao qual havíamos pedalado ao longo dos últimos 3
dias. Com todos os enganos e alterações operadas, uma coisa ficou certa:
conseguíramos ladear totalmente o Bodensee
em toda a sua extensão, experimentando todo o tipo de transportes.
Após abandonarmos as margens do lago,
começámos de imediato a embrenhar-nos na floresta e logo com uma inclinada
subida de aproximadamente 7km de extensão, maioritariamente em asfalto.
Ingenuamente e devido a não ser ainda meio-dia quando cruzámos a última
povoação, localizada junto ao lago, fizemos-mos ao caminho acreditando que
brevemente encontraríamos onde almoçar porém, tal revelou-se complicado, pois
além de ser domingo, pela frente só existiam pequenas aldeias rurais e extensas
explorações agrícolas.
Felizmente e finalmente em Zoznegg,
marcava o relógio 14h00 e o gps 95km, após cruzarmos diversas aldeias onde não
avistámos viv’alma à semelhança desta povoação, decidimos unanime e
derradeiramente ir bater a umas portas com o nosso tradutor Carlos à frente,
para tentar descobrir um qualquer sítio onde almoçar ou comprar comida. Tivemos
a sorte de encontrar um local de encontro de motards, que se encontra vazio e
fora de funcionamento, onde o proprietário de imediato se propôs a resolver a
situação, apoiado pela esposa, apresentando-nos um almoço que, não sei se foi
pela fome, se pelo desespero, pela simpatia dos visados ou tão-somente pela
inquestionável qualidade e originalidade, nos pareceu a refeição mais
fantástica que havíamos tido no total de todos os dias das etapas já realizadas
até então.
Após um almoço que considerei mais
demorado que o normal, pois o dia já ia longo e ainda nos faltavam cumprir mais
60km, voltámos ao pedal para continuarmos a subir até que, subitamente e no
meio de nenhures, encontrámos um acampamento índio… perdão, uma réplica de um
acampamento índio que nada mais era que um género de parque de campismo onde
tudo nos transporta ao western, desde as enormes tendas dos índios ao saloon e
cavalariças dos cowboys, onde aproveitámos para tirar umas fotos.
A partir do km119 regressámos a
povoações mais urbanas e cidades maiores. Em Inzigkofen voltámos a ter uma
subida digna do nome e 3km depois, em Sigmarinen, observámos o majestoso
castelo local situado sobranceiro ao rio. Mais adiante, em Veringendorf, o track
levou-nos a passar diretamente pelo interior de uma festa popular local, bem
animada por sinal, com banda filarmónica a tocar e tudo mais, onde aproveitámos
para lanchar e beber umas cervejas. Adiante, já em Hettingen, percorremos ruas
e pontes de beleza ímpar.
Finalmente chegámos ao final da
etapa, situada num parque de merendas que ladeia a estrada às portas da cidade
de Gammertingen, onde o Pedro nos esperava. Algumas famílias turcas
encontravam-se ali a passar a tarde de domingo, que já ia bem avançada, pelo
que em menos de 1 hora ficámos só nós no enorme espaço verde atravessado por
uma pequena ribeira dotada de águas gélidas e límpidas, que nos roubou alguma
atenção. A autocaravana ali ficou parqueada e sozinha, junto de uma circular e
original construção dotada de sanita e lavatório, que serve de apoio aos
viajantes utentes da estrada principal ali junto.
A distância à cidade de cerca de
1km, levou-nos a ter de percorrer esse caminho de volta com recurso às
bicicletas. Mais uma vez optámos por um restaurante de turcos, onde os pratos
mais pedidos foram as massas e os kebab’s, tudo a um preço bem simpático e
quase incrédulo, não já a nossa experiência. Após o jantar de regresso à
autocaravana, envoltos numa calmaria proporcionada pela localização isolada e
bosques circundantes, a que se acrescentava o longo dia a pedalar, rapidamente
caímos no sono.
O nosso último dia de aventura
ciclística por terras germânicas voltou a amanhecer solarengo. Levantámos cedo,
como hábito, e depois do pequeno-almoço na autocaravana fizemos-mos à última
etapa, cujos primeiros quilómetros se desenrolaram junto à ribeira que nos fez
companhia no parque de merendas.
Após
apenas 6km voltámos à luta com o gps, pois o track mais parecia um novelo cheio
de pontas. Isto porque, viemos a descobrir 30min., uns litros de suor e 3,5km depois,
já que subimos a bom subir, após havermos seguido mais algumas direções que se
revelaram incorretas, que o track nos levava exatamente pelo planeamento
inicial, onde se previra a existência de um parque de campismo nas redondezas
ao local onde havíamos pernoitado, este dotado de todas as condições
necessárias e até companhia de outros campistas, o Untere Krumme Steige, cujo plano acabáramos por não seguir
por falta de informações concretas.
De
volta ao rumo correto, o nosso trilho continuou pelo interior da bonita
floresta e novamente campos agrícolas, onde de quando em vez tivemos o
privilégio de avistar veados, mas também presenciar a existência de inúmeros e
por vezes enormes crucifixos nos campos junto aos caminhos, sob crença
religiosa de proteção às colheitas. Incrivelmente, por vezes, em plena floresta
e campos, seguimos por caminhos agrícolas (e/ou ciclovias) de pisos asfaltados
e de extrema qualidade.
Algumas
passagens foram mesmo idílicas e inesquecíveis, como foi o caso de Honau, onde
nos esperava uma ciclovia asfalta que foi a mais longa e inclinada descida de
toda esta nossa travessia, desenhada por entre um bosque imenso e antecedida de
uma pequena paragem num miradouro a uns bons 300 metros abaixo do nível do
majestoso e imponente schloss Lichtenstein (Castelo de Lichtenstein, também conhecido por Castelo do
Conto de Fadas), situado a +800m acima do rio que corre no canal que ali nos
separava, inacreditavelmente construído numa zona escarpada por volta do ano
1100dc.
A
nossa meta aproximava-se rapidamente, mas apesar de se localizar numa das zonas
mais urbanas entre todas as nossa passagens, a escassos quilómetros de
Estugarda, as passagens por dentro de florestas mantiveram-se quase até final,
bem como os pisos de terra batida, por vezes com retas de centenas de
quilómetros.
Como
o ritmo era elevado, devido à euforia do último dia, optámos por parar para
almoçar pouco passava do meio-dia, a escassos 12km do final da etapa, na
movimentada cidade de Holzgerlingen onde encontrámos uma bonita esplanada e
pude mais uma vez saborear a que passara a ser o meu tipo (ales – de alta fermentação) de cerveja alemã perdileta, a hefeweisen – também conhecida por weizenbier, weissbier
ou hefeweissbieré, a qual é um tipo
de cerveja feita de malte de trigo, malte de cevada, lúpulo e levedura, normalmente
a rondar entre os 5 e os 6 graus de álcool.
Nos últimos quilómetros tivemos de fazer algumas
pequenas alterações ao track original, o qual ladeava a linha ferroviária,
estando esta a ser alvo de remodelações ao longo de diversos quilómetros com inúmeros
cortes nos caminhos nas zonas urbanas e rurais. Subitamente começámos a ver a
casa do nosso amigo Pedro, o que significava que a nossa aventura btt de 2018
estava a chegar ao fim após 7 dias gastos, 700km percorridos (bicicleta, mas
complementados também por carro, navio e comboio) sendo 580km a pedalar (com
7.100 metros de acumulado positivo), com muitas histórias para contar e vários
lugares incríveis visitados.
Resta-me agradecer todo o apoio que nos foi simpaticamente dado pelo Pedro Loureiro, Estela Pombo, Carlos Navalho, Marina Navalho e João Ferreira, à logística deste nosso projeto. Aos restantes elementos que integram este nosso grupo de elementos travessias e que, por razões pessoais e profissionais não nos puderam acompanhar desta vez, lamento não ter tido a vossa companhia.
Deixem os vossos comentários a esta reportagem e ao vídeo! Obrigado.
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Créditos à reportagem
Texto: João Valério, internet (várias autores)
Fotos: Carlos Navalho, Pedro Loureiro, Renato Valério e João Valério
Vídeo: João Valério
Apoios: Carlos Navalho, João Ferreira, Pedro Loureiro